6 aspectos psicológicos na série “O Gambito da Rainha”

Em outubro desse ano estreou na Netflix a série “O Gambito da Rainha”. A repercussão dessa série reflete seu sucesso imediato e nos leva a extrair vários aspectos psicológicos envolventes e que são comuns ainda hoje em nosso tempo.

Por: Alessandra Cristina Taborda

Apesar dos aspectos históricos verdadeiros dos anos 60, que fazem o pano de fundo da série, a história fictícia da personagem leva o expectador a emocionar-se, questionar-se e até identificar-se com alguns dos temas psicológicos ali dramatizados e vivenciados por ela.

Ao ler “O Gambito”, surge a primeira dúvida, o que é Isso? Gambito é uma manobra de abertura em que se oferece um peão para utilizar um ataque mais rápido ao adversário.. É uma artimanha! E nesse caso quem se utiliza dela é uma dama.

Abaixo seguem alguns dos aspectos psicológicos dessa trama, seguidos obviamente de alguns “spoilers”.

1 – A questão do patriarcado e masculinização do jogo de xadrez

Elizabeth Harmon a menininha do filme, descobre seu encanto pelo jogo de xadrez na Instituição em que está para adoção, após a perda trágica de sua mãe em um acidente.
Durante as aulas, a professora pede que ela vá ao porão para bater os apagadores, lá ela conhece o zelador Shaibel, um homem sisudo, sentado em frente a um tabuleiro de xadrez.
A partir disso ficam interessantes as idas dela ao porão, até o momento em que pede para ele lhe ensinar a jogar.
O zelador desenvolve afeição pela menininha e lhe ensina e a insere no mundo do xadrez, pois vê nela um talento nato.

A partir disso a trama se torna envolvente, na medida em que o expectador fica curioso com o olhar enigmático, foco e obstinação de Beth na busca por realizar seus desejos em jogar cada vez mais, aprender disso que lhe parece tão intuitivo e fácil, e é claro, vencer.
A questão nessa busca, que fica em evidência, é a dificuldade que Elizabeth tem para inscrever-se nos campeonatos, por ser uma menina, ainda desconhecida nesse meio. 

Quando chega em uma sala em que estão diversas mesas de xadrez, com vários homens no ambiente, Beth recebe olhares de deboche, sorrisos irônicos e comportamentos hostis.
Fica nítido durante a série a influência do patriarcado, preconceito em relação ao feminino e masculinização até mesmo de um jogo. 
Outro aspecto evidente é que  até mesmo na organização de um clube de xadrez na década de 60, 70.. existia a prevalência masculina o que ainda ocorre em nosso tempo, não foi totalmente superado.
Hoje, porém, existe maior abertura para a participação de mulheres nos campeonatos e clubes de xadrez, temos já grandes enxadristas femininas no Brasil e no mundo.

2-  A dor do luto, do abandono e adoção

A protagonista do filme, Beth Harmon demonstra até o último capítulo da série, vivenciar memórias dolorosas do dia em que perdeu sua mãe.
Essa dor do luto, que muitos passam em algum momento da vida, podem ser um divisor de águas, que levam alguns a superarem sua dor do luto, através da arte.

O abandono sofrido pelo pai biológico e pai adotivo, também ilustram o drama que é para alguém superar dificuldades sem o apoio de uma figura paterna presente e afetuosa.
A mãe adotiva parece sofrer de episódios depressivos e no início do convívio com a menina Beth Harmon, parece não perceber gostos e até mesmo a presença da filha.
Mas com o descobrimento do desejo da menina pelo xadrez, essa mãe se conscientiza da sua função materna e investe emocionalmente neste relacionamento, tornando-se assim incentivadora da carreira da filha.
Beth pode ter encontrado a figura de um pai, no zelador que lhe ensinou a arte do jogo que torna-se o motivo do seu viver: o xadrez.

Os sentimentos de gratidão que ela alimenta até o último episódio, em que faz questão aos jornalistas que relatem a história que ela lhes conta: Sim, fui ensinada a jogar xadrez num porão de uma Instituição para menores abandonados, pelo zelador Shaibel, um homem simples que jogava muito bem.
Ela sente-se muito grata cada vez que lembra dele e do apoio que recebeu, não só de vínculo e ensino, mas financeiramente para sua primeira participação em um campeonato local.
Ali ela começou sua carreira como enxadrista, ali ela iniciou a realização de um sonho.

3- A questão do alcoolismo e abuso de medicamentos

Ao chegar na Instituição para crianças abandonadas, Beth Harmon logo é encaminhada para a fila onde as crianças, recebem medicações e tranquilizantes.
Ao ingerir ela tem os efeitos colaterais típicos desse tipo de psicotrópico.
Quando surge sua obsessão pelo xadrez, ela começa logo a ter visões antes de dormir, sob efeito dos remédios, de como fazer alguns lances e jogadas estratégicas no xadrez.

Isso leva a personagem a desenvolver um nível altíssimo de dependência em relação às drogas medicamentosas.
Aliás algo muito comum em nosso meio, se comparado ao uso constante, por vezes, abusivo de medicamentos para dormir, emagrecer, ansiedade, depressão e demais emoções inerentes a humanidade.
A realidade para alguns se torna tão insuportável diante de dificuldades, desafios, frustrações, medos e perdas que recorrem ao uso de algum tranquilizante, ansiolítico para conseguir seguir sua vida.

4- Altas habilidades e vida emocional

Não existem dúvidas que Elizabeth Harmon, tem altas habilidades cognitivas, é uma savant enxadrista, ou seja, alguém que domina de maneira superior as estratégias do jogo de xadrez.
Pessoas com altas habilidades, muitas vezes sofrem por serem incompreendidas no seu jeito de pensar, de ser e nas suas preferências e aptidões.
Emocionalmente, são instáveis, muitas vezes apelando ao uso de substâncias, isolamento social e crises emocionais.

É muito importante que pessoas com essas características peculiares busquem fazer análise e ou psicoterapia para se autoconhecer e saber lidar com suas emoções, superar suas angústias, evitando assim o padecimento emocional.

5- Bullying

Justamente por ser diferente, Beth Harmon, sofre bullying das amigas na escola. Suas vestimentas e sapatos simplórios provocam risadas nas colegas da turma.
Uma das colegas cita: “você está usando esses sapatos?! Eu não os usaria nem para morrer”, frases que marcam a vida estudantil dela.

Ao longo da sua história e com sucessivas vitórias no xadrez, Beth Harbor se destaca pelo bom gosto em suas vestimentas, femininas, elegantes e alinhadas.
Ela se torna rica, torna-se a melhor do mundo em sua linha de atuação, causando admiração em todos, inclusive nas colegas da escola.

6-  Superação através da quebra de padrões

O final da história deixa a todos admirados, não só com a atuação da atriz que personifica a enxadrista, como também com o reviravolta na história de Beth Harbor.
É realmente emocionante, ver uma menina, inteligente quebrando os padrões rígidos da época e mostrando ao mundo seu talento.

Muitos que assistem se identificam com a personagem e relatam terem vindo as lágrimas ao ver o grande final.

Superar padrões aliás é algo que muitos buscam em nosso tempo, seja no meio político, social, cultural ou profissional.
Enfim a superação depende do desejo, investimento, preparo e engajamento de cada um.
A ficção pode motivar alguém no sentido real e isso acontece através dessa história de estratégias e jogadas incríveis.
Como num jogo de xadrez, os movimentos na vida podem levar a derrota ou ao sucesso, depende das suas escolhas.


Sobre a autora:

Alessandra Cristina Taborda – Psicóloga

Sou psicóloga clínica, atuo há mais de 20 anos nessa área, com especialização em Psicologia Clínica, Neuropsicologia, Psicologia Jurídica e Forense. Em anos de atuação e paixão pela psicologia no desvendar da mente e comportamento humano, fui desenvolvendo diversas habilidades e competências. Hoje auxilio pessoas nas mais diversas áreas. O sentido da minha vida está …