depoimento

Ainda não atingi a outra margem. Ainda não tenho o devido equilíbrio. Sei que muito ainda tenho para atravessar. Mas já me dá força vislumbrar essa possibilidade. – Depoimento Gil, 2003

Tempo de construção. Reconstrução. Avaliação. Reavaliação.

Depoimento – Olhar para trás, olhando pra frente. Enxergar a pessoa que fui e também quero ser. O tempo que já fui. Ao tempo que serei. Uma outra pessoa. Eu de mim mesmo. O reflexo que quero enxergar. A pessoa que quero admitir.

Foram horas, tempos, caminhos, que me fizeram cruzar pontes difíceis para um equilíbrio.

Ainda não atingi a outra margem. Ainda não tenho o devido equilíbrio. Sei que muito ainda tenho para atravessar. Mas já me dá força vislumbrar essa possibilidade.

Mistura de medo e alegria. Medo, por estar descobrindo coisas novas que estou assumindo. Isso provocará dor. Em mim. Em outras pessoas. Isso poderá provocar estranhamento. Medo de perder alguma pessoa. Magoar.

Mas a alegria ressurge como força que dá alento aos projetos de vida. Acho que o ano de 2003 foi um pouco disso. Medo e alegria. Passos equivocados. Erráticos. Pasmados. Atrapalhados. Confusos.

Mas retomar o passo é o que me encanta na vida. Pois outras portas podem ser atravessadas. Construídas. Refeitas. Trancadas. Novas paredes podem ser pintadas da cor que quiser.

E isso é o que quero. Poder querer. Poder fazer. Seguir meu próprio caminho.

Minha condição de moleque que quer brincar com a vida. Sem explicações. Sem desculpas e complexos. Sem que o passado me assombre com suas imagens e sons dissonantes com o momento que quero seguir.

Sorrir pro dia. Dizer bom dia. Cumprimentar, sem falsos cumprimentos. O momento é este. É a foto instantânea de uma pessoa que quer se expressar. Ser. Movimentar. Construir. Fundir. Testar. O momento é propício para que as palavras possam ser ditas. Sem discursos. Somente a minha verdade, nada mais. Junto a ela, as pessoas que bem quero. Sem as máscaras. Elas por elas mesmas.

Quero ouvir. Poder falar. Poder questionar. Ser questionado. Abraçado. Amado. Preciso disso como alento às minhas horas em baixa. Pois não me construo sozinho. Sou a soma. A divisão. A partilha de significados que tenho e que fazem sobre mim. A memória que me persegue e que não admito ser esquecida. A infância que me trouxe até aqui, pois ainda sou ela.

Sou sua essência. Metáfora dos acontecimentos presentes, pois é ela quem me explica. Me move. Me condena. Me absolve. Sou prisioneiro de um menino que parece querer continuar a ver as coisas através desses olhos. Tristes. Sonolentos. Melancólicos. Absortos. Sinceros. Cínicos. Hipócritas. Irônicos. Desconfiados. Incertos. Erráticos. Cegos. Abertos. Ácidos. Silenciosos. Verdadeiros. Capazes. Amigos. Companheiros. Amantes. Sedutores. Apaixonados. Vivos. Sinônimos que falam de mim. Me tornam sentido.

O rumo que tomar. A palavra que vier. O mundo que rodar. A rima que cair. O muro que subir.

Sou hoje, tudo de um pouco. Aos poucos. Devagar. Sem pressa. Menos ansioso. Sou essa pessoa em construção. Falada. Presa a outras pessoas. Muletas que pretendo me desfazer. Andar com as próprias pernas.

Quando o meu corpo e espírito falam para mim. Sou a moeda de minhas trocas. Sou quem faço o que sou. Sou o neto que abraça o avô com todo o amor que eles têm um pelo outro. Sou o menino vadio. Moleque. Preguiçoso. Rueiro. Aquele que gosta de ir ao cinema e imaginar tudo aquilo que está acontecendo naquele exato instante. Como se o filme fosse parte de minha vida. Minha esperança. Minha graça. É quando o nó na garganta subverte o choro, transformando-o em prosa, pensamento, poesia. Alegoria para as minhas tristezas. Num cenário que estou construindo para que possa um dia habitar.

Bem, essas são algumas palavras que expressam esses quase 2 anos de terapia. Mais precisamente este ano. Pois foi nele que me vi mais serenamente. Mais verdadeiramente. Querendo ver os limites que ainda posso alcançar sobre mim mesmo.

A pessoa em construção não é metáfora, é realidade assumida. É por estar aqui e falar, refletir, comungar de pensamentos sobre mim, que me expressam, que me modificam a medida que a palavra vai sendo aberta. As histórias reveladas. As contradições existindo. A pessoa sendo lida. Desfeita. Exclamada. Interrogada. O dia termina ás vezes mais estranho, ás vezes mais suave, pesado, confuso, do que o habitual. Mas os dias meus se fazem assim. E assim continuarão sendo feitos.

Gil, 2003- Paciente da Dra. Alessandra Taborda